Decreto-Lei n.º 83/2018, realidade ou utopia?

O Decreto-Lei 83/2018, prevê que os websites e Apps dos organismos públicos ou financiados pelo estado cumpram com a conformidade de acessibilidade, nível AA. Esta regulamentação deixou as pessoas, que diariamente enfrentam barreiras de acessibilidade digital, na expetativa de, finalmente, poder começar a usar autonomamente a WEB, como por exemplo, a simples ação de aceder e consultar uma informação utilizando o teclado ou de preencher e submeter um formulário sem necessidade de decifrar um CAPTCHA visual.

Contudo, não passaria de mais uma esperança pois passados dois anos após o prazo limite para se cumprir com esta legislação, 2021, e pese embora a pandemia tenha ajudado um pouco na transformação digital, é mais comum encontrar websites públicos de serviços essenciais com barreiras graves de acessibilidade, do que websites que cumprem o mínimo para que o utilizador consiga, pelo menos, realizar com sucesso uma interação no site ou App.

Este Decreto, que tem como base a diretiva europeia 2016/2102, parecia ser mais específico e incisivo do que as regulamentações anteriores. Mas, mais uma vez, faltou um ponto crucial neste decreto para efetivar o seu cumprimento: um artigo com a definição das consequências do não cumprimento, nomeadamente coimas, sem necessidade de remeter para outra legislação.

Na verdade, Portugal pode orgulhar-se de ter sido um dos primeiros a abordar a temática da acessibilidade na europa com o Livro Verde para a Sociedade da Informação publicado em 1997. Porém, 26 anos depois, os dados confirmam que se continua ainda na fase da sensibilização e que a literatura/legislação não chega a todos…

Defendo que mais do que se cumprir com legislação é necessário perceber a importância da acessibilidade, mas já não é tempo de permitir que se continue a limitar ou até mesmo bloquear a participação ativa de todos os cidadãos num mundo que só tem um caminho, o digital. É necessário que a legislação vá mais além e que sejam criados mecanismos para a sua fiscalização e aplicação.

Nos parágrafos que introduzem o decreto lê-se:
“O Programa do XXI Governo Constitucional assume como prioridades a melhoria do relacionamento dos cidadãos com a Administração Pública e a construção de uma sociedade mais igual, como imperativo ético, jurídico e constitucional, nomeadamente através da valorização da responsabilidade social e da ética empresarial, promovendo a diversidade e a não discriminação como fatores de competitividade, inovação e desenvolvimento. Considerando que a evolução para uma sociedade digital oferece aos utilizadores novas formas de acederem à informação e aos serviços, importa adotar as medidas necessárias para tornar os sítios web e as aplicações móveis mais acessíveis a todos, incluindo às pessoas com limitações funcionais graves, sensoriais, cognitivas ou de caráter físico, para as quais a informação digital se apresenta como uma possibilidade privilegiada de acesso.”

No entanto, no primeiro parágrafo da introdução das diretrizes de acessibilidade WCAG2.0 lê-se:
“As Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdo Web (WCAG) 2.0 definem a forma de tornar o conteúdo Web mais acessível a pessoas com incapacidades. A acessibilidade abrange um largo espectro de incapacidades, incluindo as limitações visuais, auditivas, físicas, cognitivas, neurológicas, ou ainda as ligadas à fala, à linguagem ou à aprendizagem. Embora estas diretrizes cubram uma ampla diversidade de situações, elas não podem contemplar todas as necessidades das pessoas com todos os tipos, graus e combinações de incapacidades. Estas diretrizes tornam também o conteúdo Web mais usável para os indivíduos mais idosos cujas capacidades mudam como resultado do envelhecimento e melhoram, frequentemente, o uso para os utilizadores em geral.”

Ou seja, se o cumprimento do nível de conformidade AAA não é suficiente para abranger todas as necessidades, não é espectável que o cumprimento do nível AA ofereça as condições de interação com conteúdos e interfaces pela maioria das pessoas como referido também no DL 83/2018 no nº2 do Art. 5. Por este motivo, considero que a maioria dos critérios de sucesso de nível AAA sejam tão importantes como os dos restantes níveis de conformidade e devem ser tidos em conta na hora de implementação ou renovação das interfaces e conteúdos. E, recorde-se, as diretrizes de acessibilidade web, WCAG 1.0, surgiram em 1998.

Portanto, se é responsável por uma plataforma digital e já compreendeu a importância da acessibilidade web, dê o próximo passo e torne o seu site ou App plenamente acessível e não continue a contribuir para a exclusão de cidadãos!
A comAcesso presta consultoria em acessibilidade web e digital e orienta-o nesse processo.

Apresenta-se, de seguida, os principais artigos deste decreto que resumem os procedimentos que deve executar:
CAPÍTULO I Disposições gerais
Artigo 2.º Âmbito de aplicação subjetivo
O presente decreto -lei aplica -se às seguintes entidades: a) Estado; b) Regiões Autónomas; c) Autarquias locais; d) Institutos públicos; e) Entidades administrativas independentes; f) Fundações públicas; g) Associações públicas; h) Entidades do setor público empresarial; i) Organizações Não Governamentais que prestam serviços essenciais ao público ou que prestam serviços que visam especificamente responder às necessidades das pessoas com deficiência ou que lhes são diretamente dirigidos; j) Instituições de ensino superior, estabelecimentos de educação pré -escolar e de educação escolar, públicos e privados com financiamento público, no que se refere ao conteúdo relativo a funções administrativas essenciais por via eletrónica; k) Organismos de direito público, tal como definidos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 2.º do Código dos Contratos Públicos; l) Associações de que façam parte uma ou várias entidades referidas nas alíneas anteriores, se essas associações forem criadas para o fim específico de satisfazer necessidades de interesse geral, sem caráter industrial ou comercial.

Artigo 3.º Âmbito de aplicação
objetivo 1 — O presente decreto-lei aplica -se a todos os conteúdos de sítios web, independentemente do dispositivo utilizado para aceder aos mesmos, e de aplicações móveis das entidades previstas no artigo anterior.

CAPÍTULO II Requisitos, proporcionalidade, conformidade e declaração de acessibilidade
Artigo 5.º Requisitos de acessibilidade dos sítios web e das aplicações móveis
1 — As entidades previstas no artigo 2.º devem adotar as medidas necessárias para tornar os sítios web e as aplicações móveis mais acessíveis, cumprindo os seguintes requisitos:
a) Percetibilidade, apresentando a informação e os componentes da interface de utilizador aos utilizadores de modo a que eles os possam percecionar;
b) Operabilidade, assegurando que os componentes e a navegação na interface de utilizador são acionáveis;
c) Compreensibilidade, garantido que a informação e a operação da interface de utilizador é de fácil compreensão;
d) Robustez, apresentando conteúdos suficientemente sólidos para que possam ser interpretados de forma fiável por uma ampla gama de agentes de utilizador, incluindo as tecnologias de apoio.
2 — Para efeitos do disposto no número anterior, devem ser adotadas formas de organização e apresentação da informação digital, quer para os sítios web quer para as aplicações móveis, por forma a facilitar o acesso por parte de pessoas com deficiência, permitindo que a leitura, a escrita e a interação não dependam do uso exclusivo da visão, da audição, de movimentos precisos, de ações simultâneas ou da utilização de dispositivos apontadores, designadamente do rato, devendo privilegiar especificações técnicas que assegurem a máxima interoperabilidade com as tecnologias de apoio existentes.

CAPÍTULO III Monitorização e apresentação de relatório
Artigo 9.º Metodologia de monitorização aplicável
1 — Para os sítios web, as entidades referidas no artigo 2.º devem adotar os seguintes procedimentos de monitorização:
a) Procedimento simplificado automático ou semiautomático, correspondente a uma avaliação automática a uma amostra de páginas do sítio web composta, no mínimo, pela página de entrada e por todas as páginas hiperligadas à página de entrada e contemplando, sempre que possível, os vários tipos de templates utilizados, recorrendo a um validador automático ou semiautomático de acessibilidade web comummente utilizado no mercado;
b) Procedimento simplificado manual, correspondente a uma avaliação manual pericial a uma amostra de páginas que permita responder à diversidade de elementos constantes da lista de verificação para sítios web publicada no sítio web www.acessibilidade.gov.pt;
c) Testes de usabilidade com pessoas com deficiência, dos quais devem fazer parte como objeto de análise, pelo menos, uma tarefa e uma tipologia de utilizadores.
2 — Para as aplicações móveis, as entidades previstas no artigo 2.º devem adotar os seguintes procedimentos:
a) Procedimento simplificado automático ou semiautomático, correspondente a uma avaliação automática a uma amostra composta, no mínimo, pelos templates da aplicação, recorrendo a um validador automático ou semiautomático de acessibilidade comummente utilizado no mercado;
b) Procedimento simplificado manual, correspondente a uma avaliação manual pericial a uma amostra de páginas que permita responder à diversidade de elementos constantes da lista de verificação para aplicações móveis publicada no sítio web www.acessibilidade.gov.pt;
c) Testes de usabilidade com pessoas com deficiência, dos quais devem fazer parte, como objeto de análise, pelo menos uma tarefa e uma tipologia de utilizadores.
3 — Consideram -se obrigatórios os procedimentos referenciados nas alíneas a) e b) dos n.os 1 e 2, sem prejuízo do disposto no número seguinte, e recomendado o procedimento referido na alínea c) dos respetivos números.

CAPÍTULO V
Artigo 19.º
Produção de efeitos
O presente decreto-lei produz efeitos:
a) Para os sítios web publicados a partir de 23 de setembro de 2018, inclusive, em 23 de setembro de 2019;
b) Para os sítios web publicados antes de 23 de setembro de 2018, em 23 de setembro de 2020;
c) Para todas as aplicações móveis, em 23 de junho de 2021.

Dl-83/2018 completo em:
https://dre.pt/pesquisa/-/search/116734769/details/maximized